Close

As tentativas de intimidação de lideranças indígenas – O que se quer ocultar?

A Coalizão Ciência e Sociedade se pronuncia em nota sobre a abertura de inquérito pela Polícia Federal, a pedido da FUNAI, para investigar lideranças indígenas.

 

Os últimos dias trouxeram a público as informações de que a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) solicitou à Polícia Federal a abertura de inquéritos para investigar a líder Sonia Guajajara, da Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), e lideranças do povo Suruí em Rondônia para apurar suposto “crime de difamação” em relação à atuação do Governo Federal na proteção de povos indígenas durante a pandemia de Covid-19.

A FUNAI, criada em 1967, é a coordenadora e principal executora da política indigenista do governo federal. Sua missão institucional é proteger e promover os direitos dos povos indígenas no Brasil. Para tal, sua missão é orientada por diversos princípios, dentre os quais se destaca o reconhecimento da organização social, costumes, línguas, crenças e tradições dos povos indígenas, buscando o alcance da plena autonomia e autodeterminação dos povos indígenas no Brasil, contribuindo para a consolidação do Estado democrático e pluriétnico (http://www.funai.gov.br/). Atualmente, a FUNAI é presidida por Marcelo Augusto Xavier da Silva, delegado da Polícia Federal desde 2008. Como delegado, teve sua atuação contestada em duas investigações internas da corporação e também foi afastado de uma operação de expulsão de invasores de uma terra indígena, por suspeitas de estar colaborando com os intrusos (https://www.bbc.com/portuguese/brasil-49173621).

Não se viu da FUNAI igual sanha investigadora quando os casos de invasões de Terras Indígenas aumentaram em 134,9% entre 2018 e 2019 (de 109 para 256 casos), segundo o relatório “Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil”, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) (https://cimi.org.br/wp-content/uploads/2020/10/relatorio-violencia-contra-os-povos-indigenas-brasil-2019-cimi.pdf) . O relatório aponta ainda que invasões foram registradas em 151 Terras Indígenas, habitadas por 143 povos distintos, em 23 estados e, dentro dos 256 casos, foram observados mais de um tipo de dano ou conflito, atingindo um total de 544 ocorrências.  As invasões e a exploração ilegal de recursos naturais dentro das Terras Indígenas são classificadas como Violência contra o Patrimônio.

Dados científicos demonstram o papel fundamental de Terras Indígenas na contenção do desmatamento no Brasil com proteção da biodiversidade e de estoques significativos de carbono (https://www.reuters.com/article/us-brazil-forests-indigenous-rights-idUSKCN2562GH). Ou seja, sua proteção traz benefícios diretos para o Brasil e para a comunidade global.

No caso da pandemia de Covid-19, o Ministro Barroso do Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitou três versões do Plano Geral de Enfrentamento à Covid-19 para Povos Indígenas. A quarta versão foi aprovada parcialmente no final de 2020. Em matéria do site do STF (http://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=462365&ori=1), o ministro Barroso declarou que as diversas determinações feitas por ele em decisões anteriores foram atendidas apenas parcialmente, demonstrando um quadro de “profunda desarticulação” por parte dos órgãos envolvidos na elaboração do documento. Por fim, Barroso registrou que decidiu homologar parcialmente a proposta, observadas certas condições, diante da necessidade premente de aprovação de um plano geral, de modo que vidas possam ser salvas.

Artigo recente da revista Piauí, intitulado Silêncio na aldeia (https://piaui.folha.uol.com.br/silencio-na-aldeia/) informa que até o dia 26 de abril de 2021, 1.048 indígenas morreram de Covid no Brasil – mais do que o total de mortos pela doença em países como Austrália e Moçambique (levantamento autônomo da Apib). A perda de vidas é tristemente acompanhada de uma perda cultural irreparável para a humanidade, pois ao menos dez eram de povos cujos idiomas estão listados como “criticamente ameaçados” no Atlas Mundial das Línguas em Perigo da Unesco. A matéria destaca ainda que, se considerados todos os povos da Amazônia Legal que tiveram algum contato com a doença, há dezesseis idiomas em risco de desaparecimento.

Desamparados pelo governo e pela gestão da FUNAI, a organização social de Povos Indígenas e a força de sua cultura preservada foram centrais para que a pandemia tenha sido controlada por iniciativa própria dos indígenas. São exemplos notáveis, as aldeias Kuikuro (https://www.bbc.com/portuguese/brasil-56519554) e os Tikuna de Nova Jutaí (PA) (https://www.dw.com/pt-br/os-ensinamentos-dos-ind%C3%ADgenas-no-enfrentamento-da-pandemia/a-57124837), que venceram a pandemia com base na ciência e na sua coesão comunitária.

Adicionalmente, a memória da pandemia para os Povos Indígenas foi também registrada academicamente. A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), em parceria com a revista Vukápanavo (https://www.vukapanavo.com/) e o apoio da Fiocruz, lançou o dossiê Pandemia da Covid-19 na vida dos povos indígenas, que buscou, segundo seus editores Braulina Baniwa, Felipe Cruz Tuxá e Luiz Eloy Terena, juntar diversidade de reflexões acerca do impacto da pandemia sobre esses povos.

Quando se iniciam os trabalhos de uma CPI no Senado Federal para investigar a atuação do governo federal na pandemia de Covid-19  e a comunidade internacional demanda que o Brasil cumpra seus compromissos de conservação ambiental e proteção de seus povos originários, o aparato investigativo mira  as vozes de uma resistência plenamente justificada pela história e pelos fatos recentes. Intimidar lideranças indígenas não resultará na ocultação de fatos amplamente documentados de agressão aos direitos constitucionais dos seus povos.

Foto: Sonia Guajajara / Facebook

Coalizão Ciência e Sociedade

Coalizão Ciência e Sociedade

A Coalizão Ciência e Sociedade é formada por cientistas de instituições de ensino e pesquisa de todas as regiões brasileiras. Você pode conferir todos aqui

A Coalizão Ciência e Sociedade é formada por cientistas de instituições de ensino e pesquisa de todas as regiões brasileiras. Você pode conferir todos aqui

Related Posts