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Ataque orquestrado contra a biodiversidade do Brasil

O Brasil abriga a maior biodiversidade do planeta, mas a administração do presidente Bolsonaro está solapando avanços em conservação ambiental alcançados ao longo das últimas décadas. Para citar apenas alguns exemplos, o Governo Federal retirou sua oferta de hospedar a próxima Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima, legalizou agrotóxicos proibidos em outros países e desmantelou agências federais de proteção ambiental. Em vista desses retrocessos, 602 cientistas europeus e duas organizações indígenas defenderam recentemente que a Europe deva tornar sustentável o seu comércio com o Brasil (1).

A grande ameaça até agora é o projeto de lei em debate no Senado que busca eliminar do Código Florestal a obrigatoriedade da Reserva Legal (2). Atualmente, com algumas exceções, reservas legais são exigidas para manter a cobertura de vegetação nativa florestal ou não florestal de 50% a 80% de todas as propriedades na Amazônia, de 20% a 35% no Cerrado e de 20% nos demais biomas. Se aprovado, o projeto de lei provavelmente vai desencadear perdas de biodiversidade rápidas e irreparáveis no Brasil e vai colocar em risco esforços de mitigação da mudança climática.

Para líderes políticos ruralistas que apoiam o projeto de lei, avançar sobre a vegetação nativa é uma maneira conveniente de alavancar a produção agropecuária, sobretudo as de carne bovina e soja, âncoras da hesitante economia brasileira. Contudo, aprimorar a produtividade em terras já convertidas seria mais que suficiente para suprir a demanda durante várias décadas, sem redução da vegetação nativa (3). Além disso, a dependência econômica que o Brasil tem das commodities é preocupante, uma vez que países dependentes de commodities em geral têm baixos índices de desenvolvimento humano (4).

Indo contra a razão, a evidência científica tem sido sistematicamente desconsiderada pelo grupo hegemônico detentor do poder no Brasil (5), com prováveis impactos catastróficos de longo prazo sobre a biodiversidade e a sociedade. Em nome da segurança ambiental, há uma necessidade urgente de maior engajamento entre cientistas e formuladores de política para demonstrar o papel da Reserva Legal em manter os serviços ecossistêmicos essenciais que beneficiam produtores rurais, a sociedade e a economia Brasileira no longo prazo.

Referências:
1. L. Kehoe et al., Make EU trade with Brazil sustainable. Science 364, 341 (2019).
2. B. Soares-Filho et al., Land use cracking Brazil’s Forest Code. Science 344, 363-364 (2014).
3. B. B. N. Strassburg et al., When enough should be enough: Improving the use of current agricultural lands could meet production demands and spare natural habitats in Brazil. Gl. Environ. Ch. 28, 84–97 (2014).
4. United Nations, “State of commodity dependence” (United Nations Conference on trade and development – UNCTAD 2016) (2017).
5. N. Pettorelli et al., Applied ecologists in a landscape of fear. J. Appl. Ecol. 56, 1034-1039 (2019).


 

Este artigo foi publicado originalmente como correspondência à revista Science
Sidinei Thomaz

Sidinei Thomaz

é professor associado da Universidade Estadual de Maringá
Valério Pillar

Valério Pillar

É Professor titular do Instituto de Biociências da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
Mercedes Bustamante

Mercedes Bustamante

Professora da Universidade de Brasília (UnB), membro da Academia Brasileira de Ciências e atualmente uma das principais referências no bioma Cerrado. Atua principalmente na área de ecologia de ecossistemas em particular em temas relacionados a mudanças no uso da terra, biogeoquímica e mudanças ambientais globais.
Coalizão Ciência e Sociedade

Coalizão Ciência e Sociedade

A Coalizão Ciência e Sociedade é formada por cientistas de instituições de ensino e pesquisa de todas as regiões brasileiras. Você pode conferir todos aqui

é professor associado da Universidade Estadual de Maringá

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