Brasil diz não à Agenda 2030
Veto mostra que atual governo não tem interesse em manter, muito menos ampliar, políticas ambientais sustentáveis.
Por Alexander Turra
Ao sancionar a Lei nº 13.971, de 27 de dezembro de 2019, que instituiu o Plano Plurianual (PPA) da União para o período de 2020 a 2023, a Presidência da República definiu as prioridades de aplicação de recursos públicos para os próximos quatro anos. Em outras palavras, uma ação não prevista no PPA é entendida como não prioritária e não terá recursos para ser implementada. Portanto, supõe-se que temas importantes para a sociedade devem estar no PPA.
Entretanto, o único veto da Presidência da República ao PPA suprimiu os mecanismos de monitoramento e avaliação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), revelando um descompasso significativo com as aspirações da sociedade. Os ODS correspondem a um conjunto de 17 objetivos e 169 metas a serem atingidas até o ano de 2030. Essa estratégia, denominada Agenda 2030, nasceu na Rio +20 e foi adotada por 193 países na Cúpula das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável, realizada em 2015, com forte protagonismo e endosso do Brasil.
Os ODS preveem a erradicação da pobreza (ODS 1) e da fome (ODS 2), a busca da boa saúde e bem-estar (ODS 3), educação de qualidade (ODS 4), igualdade de gênero (ODS 5), redução das desigualdades (ODS 10) e cidades e comunidades sustentáveis (ODS 11). A preocupação com o ambiente está fortemente ligada a esses primeiros objetivos, por meio da garantia de água limpa e saneamento (ODS 6), energia acessível e limpa (ODS 7), conservação da biodiversidade marinha e em águas continentais (ODS 14) e terrestre (ODS 15) e combate às mudanças climáticas (ODS 13).
De forma coerente, o Brasil vinha internalizando a Agenda 2030, tornando-a referencial de desenvolvimento em Estados e municípios e na iniciativa privada, cujas ações vêm sendo reconhecidas pelo Prêmio ODS Brasil. Há, inclusive, uma Comissão Nacional para os ODS e uma coordenação de produção de indicadores no Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), com uma plataforma de dados pronta. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) conduz uma iniciativa de adequação dos indicadores para a realidade nacional e agências de fomento inseriram a contribuição para os ODS como parte de seus editais de pesquisa.
Isso demonstra que esforços e recursos já foram investidos na estruturação de um mecanismo de monitoramento e avaliação dos ODS, o qual está sendo desidratado pelo PPA aprovado pelo Executivo.
Os ODS têm sido considerados internacionalmente como balizadores de políticas públicas, tanto no Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) e como na Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES). A Segunda Avaliação Global dos Oceanos, que será lançada em 2020 pela Organização das Nações Unidas, tem nos ODS um referencial objetivo para compreender os avanços obtidos e os desafios que ainda restam para a sustentabilidade dos oceanos.
Assim como outros acordos internacionais, os objetivos e as metas da Agenda 2030 são relevantes, mas não impositivos. Eles orientam os países na elaboração de ações coerentes com o que foi acordado internacionalmente, considerando suas potencialidades e limitações. Entretanto, o veto foi justificado pelo entendimento de que a inclusão no PPA daria “um grau de cogência e obrigatoriedade jurídica, em detrimento ao procedimento dualista de internalização de atos internacionais”, segundo despacho proferido pela Presidência.
Mesmo com interesses na região, materializados pela reivindicação informal de um território em 1986, o Brasil reconhece o tratado e por ele vinha zelando. Portanto, não há elementos concretos que indiquem que a Agenda 2030 poderia comprometer a autodeterminação do Brasil a ponto de motivar esse veto.
Como não há dúvida de que os ODS são relevantes e coerentes na busca da dignidade humana com sustentabilidade, algo que qualquer governo deveria priorizar. O veto representa mais uma negação dos princípios da Agenda 2030 e um desinteresse na implementação do seu conteúdo, do que uma aparente preocupação com a soberania do Brasil.
Incluir mecanismos de monitoramento e avaliação da Agenda 2030 no PPA significa compreender a importância dos seus objetivos e metas e, explicitamente, criar as condições para implementá-las. Mais que isso, é necessário compreender e considerar outras consequências dessa atitude, como o comprometimento da entrada do Brasil na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que exige o cumprimento de acordos internacionais na área ambiental.
A retirada dos mecanismos de monitoramento e avaliação dos ODS do PPA expressa uma mensagem clara. Não destinar nada para essas ações dos cerca de R$ 6,8 trilhões, previstos para o PPA nos próximos quatro anos, indica que o atual governo não tem interesse em manter, muito menos ampliar, políticas ambientais sustentáveis. Em outras palavras, esse veto revela o país que o atual governo pretende (des)construir, eximindo-se de uma agenda de mobilização internacional centrada na melhoria das condições de vida em harmonia com a proteção ambiental e a justiça social. Mas, o governo não percebe que, em primeiro lugar, deve dar satisfação a nós, brasileiros, sobre temas tão importantes e urgentes para o país.
- Este artigo foi publicado originalmente no jornal Valor Econômico: encurtador.com.br/ajpN3
Alexander Turra é professor do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (USP) e responsável pela Cátedra Unesco para Sustentabilidade dos Oceanos.