Florestas tropicais e a mitigação da mudança climática: o papel decisivo da governança ambiental
Em artigo publicado originalmente no Georgetown Journal of International Affairs, da Universidade de Georgetown (EUA), a pesquisadora Mercedes Bustamante, membro da Coalizão Ciência e Sociedade e professora do Departamento de Ecologia da UnB, aborda a trajetória brasileira das duas últimas décadas no controle do desmatamento.
O Acordo Climático de Paris reconheceu o papel crucial das florestas para a mitigação na mitigação das mudanças climáticas, uma vez que as metas globais de mitigação exigirão o aumento do sequestro de carbono). As opções florestais para a mitigação do clima incluem a prevenção da perda de cobertura florestal, a melhoria do manejo de florestas naturais, o florestamento (definido pela UNFCCC – Convenção-Quadro da ONU sobre as Mudanças do Clima – como “a conversão direta, induzida pelo homem, de terras que não tenham sido florestadas por um período de pelo menos 50 anos em terras florestadas”), o reflorestamento (“a conversão direta, induzida pelo homem, de terras não florestadas em terras florestadas, em áreas que eram anteriormente florestas mas que foram convertidas para outros usos), e a melhoria do plantio de florestas. No entanto, estas opções apresentam alguns desafios. No caso do florestamento, há preocupações com a biodiversidade e o consumo de água com o plantio de espécies florestais em ecossistemas não florestais. O plantio de espécies exóticas de árvores poderia aumentar o sequestro de CO2, mas a custo da perda de outras funções e serviços ecossistêmicos. Embora evitar as perdas de florestas e promover a melhoria do manejo de florestas naturais evoquem menos preocupações sobre potenciais trade-offs, elas implicam desafios críticos para a governança ambiental, especialmente em países tropicais.
Em termos de controle do desmatamento, a trajetória do Brasil nas últimas duas décadas é um bom exemplo. Cinco países do mundo (Brasil, República Democrática do Congo, Indonésia, Peru e Colômbia) contêm quase metade dos estoques de carbono das florestas tropicais, e o Brasil tem a maior parcela (cerca de 25%). Como um país megadiverso com ecossistemas ricos em carbono, as mudanças no uso da terra no Brasil são uma preocupação global. Entre 2000 e 2004, as taxas de desmatamento na Amazônia Legal aumentaram de 18.226 para 27.772 km2/ano. Em 2004, o governo brasileiro respondeu com o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal. O PPCDAm focalizou na gestão territorial e no uso da terra, com a expansão da rede de áreas protegidas); no comando e controle, por meio de um melhor monitoramento com imagens de satélite, licenciamento e aplicação das leis ambientais; e a promoção de práticas sustentáveis, por exemplo, cortando o crédito público para os municípios com maiores taxas de desmatamento. Também, em 2008, o Brasil criou o Fundo Amazônia, um mecanismo de REDD+ que levanta fundos para prevenir, monitorar e combater o desmatamento e promover a preservação e o uso sustentável na Amazônia brasileira”. Em 2012, as taxas de desmatamento diminuíram para 4.571 km2/ano. O PPCDAm foi uma referência para a articulação de políticas de conservação florestal, e o declínio do desmatamento após 2008 é atribuído principalmente a essas soluções de políticas públicas.
Apesar dos resultados notáveis, a governança ambiental estabelecida com o envolvimento de organizações da sociedade civil e comunidades florestais ainda é muito sensível à dinâmica da política federal. A proteção ambiental sempre foi uma questão polêmica, principalmente por causa da importância econômica das commodities agrícolas no Brasil. No entanto, a polarização política do país vem desgastando gradualmente a governança ambiental, especialmente após as mudanças no Código Florestal Brasileiro em 2012, o impeachment presidencial em 2016, as eleições em 2018 e o início do novo governo federal em 2019. As políticas de controle do desmatamento estão sendo impactadas por mudanças no contexto político com o enfraquecimento do Estado de Direito Ambiental, da conservação das florestas e dos programas de desenvolvimento sustentável (por exemplo, mudanças na governança do Fundo Amazônia em desacordo com os principais doadores). Em 2019, a taxa anual de desmatamento atingiu 9.762 km2.
Estudos avaliando as políticas do PPCDAm indicam que o monitoramento e a aplicação da lei foram fundamentais para a redução do desmatamento. A Ciência também foi essencial para o desenvolvimento de sistemas de monitoramento de incêndios e da degradação florestal. Diferentes estudos apontam para os impactos dos incêndios associados ao aumento das emissões de gases de efeito estufa, perdas econômicas e processos de desmatamento e degradação florestal. As diversas partes interessadas, como a sociedade civil, a academia, o setor privado e outros entes governamentais, puderam acompanhar as mudanças na cobertura florestal graças aos sistemas de monitoramento. Imagens de satélite em múltiplas resoluções temporais e espaciais efetivamente aumentaram a transparência, produzindo alertas para a aplicação da lei, identificando áreas em processo de corte ilegal e degradação e indicando a taxa e a extensão do desmatamento em uma base anual.
A criação de áreas protegidas e a demarcação de terras indígenas também foi um componente importante, pois elas constituem uma barreira efetiva contra o avanço do desmatamento. Vários estudos confirmaram que as terras indígenas são as mais eficazes para a proteção da floresta. Apesar dessa história de sucesso, os direitos indígenas estão agora também sob ataque, incluindo os direitos constitucionais relacionados à demarcação de seus territórios. Os resultados são um aumento de conflitos violentos, assassinato de líderes indígenas e invasões de terras indígenas. O monitoramento por satélite do Inpe – Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais detectou um aumento de 65% no desmatamento em territórios indígenas entre 2018 e 2019. A mineração é um dos vetores críticos do desmatamento na região amazônica e também está associada à poluição e a problemas de saúde humana. Assim, outra pressão sobre as áreas protegidas e terras indígenas é a proposta de permitir a mineração nessas áreas.
O Estado de Direito Ambiental é essencial para a mitigação das mudanças climáticas com base na conservação e manejo florestal. De acordo com o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, o Estado de Direito Ambiental “integra as necessidades ambientais críticas com os elementos essenciais do estado de direito” e conecta as necessidades de sustentabilidade “com direitos e obrigações fundamentais”. Por exemplo, a persistência da exploração madeireira ilegal é uma barreira maciça ao uso dos mercados de madeira para promover o uso sustentável e a conservação das florestas. Entre 2015 e 2016, a exploração ilegal de madeira constituiu uma parcela significativa (44%, ou cerca de 46 mil hectares) de toda a madeira tropical explorada no estado do Pará, o maior estado produtor de madeira da Amazônia brasileira. Outro exemplo diz respeito à proteção de terras sem designação legal formal na Amazônia brasileira. Isso representa 70 milhões de hectares de florestas públicas da Amazônia brasileira, o que aumenta sua vulnerabilidade. Cerca de 25% do desmatamento ilegal entre 2010 e 2015 ocorreu nessas terras não designadas, liberando pelo menos 200 milhões de toneladas de CO2.
Estimativas recentes reforçam que, para as próximas décadas, a proteção, a melhoria da gestão e a restauração dos ecossistemas tropicais são opções econômicas e significativas para a mitigação das mudanças climáticas globais. Entretanto, a implementação pelos países em desenvolvimento das opções de mitigação baseadas em florestas, em conformidade com o Acordo de Paris, irá exigir múltiplas estratégias, incluindo o direcionamento de fundos de mitigação para incoporar atores sub-representados e tomadores de decisão subnacionais, o aumento da transparência das cadeias de produção e provisão de recursos, o desenvolvimento de novos mecanismos de diálogo para propor soluções de conservação de recursos, a proteção dos direitos civis e a redução da desigualdade.
A redução do desmatamento na Amazônia brasileira foi possível devido ao efetivo apoio político e institucional para a conservação ambiental. O conjunto de políticas públicas e de engajamento social foi um avanço histórico e legal na proteção global. Entretanto, essa estrutura está sendo enfraquecida pelo contexto político, institucional e geográfico mais amplo. Evitar um ponto crítico de desmatamento exigirá novas abordagens e arranjos de governança local e internacional.
- O artigo original em inglês pode ser lido aqui: Tropical Forests aand Climate Change Mitigation: The Decisive Role of Environmental Governance