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Nota de repúdio ao desmantelamento das políticas ambientais no Brasil

Associações e Sociedades Científicas Brasileiras da área de Biodiversidade expressam em nota seu repúdio e solicitam providências dos órgãos responsáveis para impedir e coibir a atual política de desmantelamento ambiental. 

 

A Associação Brasileira de Limnologia (ABLimno), Associação Brasileira de Ciência Ecológica e Conservação (ABECO), Sociedade Brasileira de Ornitologia (SBO), Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos (SBRG), Sociedade Brasileira de Botânica (SBB), Associação Brasileira de Cultura de Tecidos de Plantas (ABCTP) vêm manifestar repúdio quanto ao enfraquecimento e desmantelamento das políticas de conservação ambiental no Brasil desde o início de 2019, aumentando a pressão humana sobre os ecossistemas brasileiros e sobre à Biodiversidade. Efeitos de médio e longo prazo sobre perda de hábitats e de espécies são esperados, com danos de grande magnitude à biodiversidade brasileira, consequentemente no funcionamento dos ecossistemas. Este quadro é uma das consequências da redução de dispositivos legais de fiscalização, do desmantelamento dos órgãos de fiscalização ambiental e controle, além da redução dos mecanismos de participação popular em órgãos como o CONAMA (1).

A recente declaração do Ministro do Meio do Ambiente, Ricardo Salles, repercutida em todo mundo, é um grave indicativo da ausência de uma política ambiental com foco na conservação e sustentabilidade dos recursos naturais do país, assim como um grave atentado contra o próprio Ministério que deveria representar. Ao declarar que o “governo deveria aproveitar o momento em que o foco da sociedade está voltado para o combate à Covid-19 para simplificar regras e normas”, o atual ministro abre um grave precedente à devastação do sistema de conservação ambiental brasileiro, expondo ações contra os interesses nacionais de gestão dos recursos naturais que são função da sua própria pasta. Tais medidas, além de questionadas devem ser submetidas a um rigoroso processo de avaliação, com as devidas medidas legais aplicadas.

A falta de compromisso do atual governo com a conservação ambiental, expõe a falha no cumprimento dos princípios expostos no artigo 225 da Constituição Brasileira, que claramente descreve o papel da União e da coletividade na defesa e preservação do meio ambiente.

A ideia de desmantelamento vem desde a época das eleições quando o então candidato cogitava a extinção da pasta do Meio Ambiente como Ministério. No entanto, a existência do mesmo não foi garantia de manutenção da política de conservação ambiental, acordos climáticos e combate ao desmatamento, tendo sido o Serviço Florestal Brasileiro transferido para o Ministério da Agricultura e a Agência Nacional das Águas (ANA  para o Ministério de Desenvolvimento Regional.

– O desmatamento da Amazônia tem registrado os maiores aumentos percentuais dos últimos 10 anos desde 2019, com um pico registrado no último mês de abril no Estado do Pará, segundo dados gerados pelo Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD) (2). Entre as graves consequências no avanço do desmatamento na Amazônia podem ser destacados, além da irreparável perda da biodiversidade, os efeitos em escala global com aumento de incidência de secas e extremos climáticos bem como aumento da liberação de CO2 (1,3,4).

– A redução abrupta no último ano do número de multas aplicadas pelo IBAMA em todo país (5), especialmente na região Norte, e as frequentes declarações negativas do Ministro Ricardo Salles, e do próprio governo, em relação aos marcos regulatórios que definem o papel crítico dos órgãos de fiscalização, expondo o patrimônio ambiental do país a um aumento sem precedentes no desmatamento e a outros crimes de natureza predatória.

– Exoneração de especialistas de cargos fundamentais na fiscalização e manutenção de estratégias e políticas de conservação ambiental, como ICMBio (6). Criado pela lei 11.516, de 28 de agosto de 2007, o ICMBio tem como missão executar medidas para cumprimento do exposto no SNUC (Sistema Nacional de Unidades de Conservação), incluindo fiscalização das Unidades de Conservação (UCs) instituídas por lei. Outra medida do atual governo foi a revisão de UCs alegando ilegalidades na criação, com possibilidade de afrouxamentos nos níveis de proteção ambiental, que foram instituídos por técnicos especializados através de criteriosa análise ambiental e planos de manejo. Tais medidas associadas a outras de mesma natureza expõe as UCs a alta vulnerabilidade e riscos, pois incluem áreas de alta relevância para conservação, espécies raras e endêmicas bem como hábitats únicos e espécies altamente ameaçados.

– Desde o início do atual governo aproximadamente 551 agrotóxicos foram liberados, sendo que 30 a 35% destes foram considerados potencialmente cancerígenos pelas agências regulamentadoras internacionais e proibidos pela União Européia. Além dos evidentes riscos à saúde humana, o aumento na liberação de agrotóxicos com alto índice de toxicidade representam um retrocesso na política ambiental nacional com consequentes e sérios riscos à saúde humana e aos ecossistemas naturais (7), aumentando concentração e acúmulo de substâncias deletérias nos solos e corpos d ́água.

– O definhamento do sistema de Gestão de Riscos e Resposta a Desastres Naturais, bem como a ausência de investimentos para o setor ao longo dos anos aumenta a vulnerabilidade dos ecossistemas, da biodiversidade e da população humana a fatores que podem ser evitados a partir do comprometimento governamental quanto ao monitoramento preventivo, à contenção de diversos acidentes envolvendo, por exemplo, o derramamento de substâncias tóxicas e o rompimento de barragens. As falhas constantes na coordenação e na gestão de crises ambientais, assim como a redução abrupta de investimentos foram expostas durante o episódio do derramamento de petróleo que contaminou a costa brasileira em 2019. Neste caso, mesmo com a ocorrência de altos níveis de contaminação ambiental da plataforma continental e ecossistemas associados, o Plano de Contingência para Incidentes de Poluição por Óleo não foi acionado, mesmo este estando previsto em lei (Decreto No 8.127, de 22 de outubro de 2013).

– A redução da participação popular e de setores da sociedade civil em órgãos como o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama). A participação da sociedade civil representa um marco no papel de fiscalização dos ambientes, no sentido da conservação, uso e gestão de seus recursos naturais. Assim, a redução da participação da sociedade nesse processo se reflete o enfraquecimento de um marco democrático importante no processo decisório.

– Além das questões de abrangência nacional, como as previamente mencionadas, a não adesão e saída do Brasil das discussões associadas às políticas internacionais de Combate de mudanças climáticas e Aquecimento Global é um retrocesso. Os drásticos cortes de verbas e discursos erráticos e negacionistas sobre a relevância das medidas a serem tomadas nesse sentido é um indicador da ausência de compromisso do presente governo com as políticas internacionais, incluindo a redução da emissão de gases de efeito estufa, em um momento onde o aumento destes gases liberados pela crise de desmatamento e incêndios na Amazônia receberam grande repercussão internacional.

Diante desse cenário, as presentes Associações e Sociedades Científicas Brasileiras da área de Biodiversidade expressam seu repúdio e solicitam providências dos órgãos responsáveis no sentido de impedir e coibir a atual política de desmantelamento ambiental. O patrimônio ambiental é um elemento crítico no desenvolvimento e manutenção da qualidade de vida desta e das futuras gerações e, portanto, deve ser salvaguardado de medidas predatórias. O futuro do Brasil depende da sua Natureza!

Brasil, 26 de maio de 2020

Luciana Gomes Barbosa (UFPB)
Presidente da Associação Brasileira de Limnologia (ABLimno)

Carlos Eduardo de Viveiros Grelle

Associação Brasileira de Ciência Ecológica e Conservação

Maria Alice dos Santos Alves
Sociedade Brasileira de Ornitologia (SBO)

Fernanda Vidigal Duarte Souza
Sociedade Brasileira de Recursos Genéticos (SBRG)

Tânia Regina dos Santos Silva (UEFS)
Sociedade Brasileira de Botânica (SBB)

Ana da Silva Lédo
Associação Brasileira de Cultura de Tecidos de Plantas (ABCTP)

Referências
1. Thomaz SM, Barbosa LG, Souza MC, Panosso R. Opinion: The future of nature
conservation in Brazil. Inland Waters. In press.

2. Fonseca A, Cardoso D, Ribeiro J, Ferreira R, Kirchhoff F, Amorim L, Monteiro
A, Santos B, Ferreira B, Pontes M., Souza Jr, C, Veríssimo A. 2020. Boletim do
desmatamento da Amazônia Legal (abril 2020) SAD (p. 1). Belém: Imazon.

3. CNN Brasil. 2019. Quais os riscos do avanço do desmatamento na Amazônia?
CNN Brasil. São Paulo, [acessado 25 de Maio de 2020]. https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/2020/03/08/quais-os-riscos-do-avanco-
do-desmatamento-na-amazonia.

4. Marengo JA, Soares WR, Saulo C, Nicolini M. 2004. Climatology of the low-
level jet east of the Andes as derived from NCEP-NCAR reanalyses: characteristics and temporal variability. J Clim. 17:2261–2280.

5. Shalders A. 2020. Queimadas disparam, mas multas do Ibama despencam sob
Bolsonaro. BBC News Brasil. São Paulo, [acessado 25 de Maio de 2020].
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-49430376.

6. Menegassi D. 2020. ICMBio exonera todos os chefes de UCs que protegem o
mico-leão-dourado. O Eco. Rio de Janeiro, [acessado25 de maio de 2020]. https://www.oeco.org.br/reportagens/icmbio-exonera-todos-os-chefes-de-ucs-
que-protegem-o-mico-leao-dourado.

7. Marin-Morales MA, Ventura-Camargo BC, Hoshina MM. 2013. Toxicity of
herbicides: impact on aquatic and soil biota and human health. In Price AJ, Kelton
JA, editors. In: Herbicides – Current Research and Case Studies in Use. InTech.
Rijeka, Croatia, p. 399–443.

 

Foto: Felipe Werneck / Ibama

Coalizão Ciência e Sociedade

Coalizão Ciência e Sociedade

A Coalizão Ciência e Sociedade é formada por cientistas de instituições de ensino e pesquisa de todas as regiões brasileiras. Você pode conferir todos aqui

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