Nova proposta de lei do licenciamento ambiental traz sérios riscos para o Brasil
A Coalizão Ciência e Sociedade, que congrega cientistas de instituições de ensino e pesquisa de todo o País, vem manifestar sua preocupação com problemas críticos da proposta da Lei Geral do Licenciamento Ambiental, em avaliação pela Câmara dos Deputados — projeto de relatoria do deputado Kim Kataguiri (DEM-SP) que deverá ser encaminhado para votação em plenário nos próximos dias.
Os processos de licenciamento ambiental desempenham um papel fundamental no controle responsável dos impactos que projetos de desenvolvimento e infraestrutura têm sobre o meio ambiente. A avaliação de impacto ambiental é uma prática legalmente reconhecida e adotada por todos os países desenvolvidos, a qual faz com que empreendedores passem por um processo de obtenção de licença ambiental antes que atividades de desenvolvimento possam ser implementadas. A avaliação de impacto ambiental é um mecanismo crucial para decidir se um empreendimento proposto é viável e aceitável frente aos impactos que poderá causar ao meio ambiente e às populações humanas nele inseridas.
Esta coalizão entende que a discussão para aperfeiçoar a legislação é sempre bem-vinda e reconhece avanços em relação ao anteriormente proposto. Entretanto, identificamos que a última versão apresentada pelo deputado Kataguiri mantém pontos que, se aprovados, comprometerão frontalmente a conservação de um ambiente saudável para a população brasileira presente e futura.
Esta avaliação está em sintonia com várias manifestações de segmentos significativos da comunidade científica e de instituições e associações diretamente relacionadas ao tema do licenciamento ambiental.
Uma nota técnica, de 2 de agosto de 2019, publicada por pesquisadores especialistas no tema e com o endosso da Associação Brasileira de Avaliação de Impacto (ABAI) fez uma avaliação detalhada do PL e destaca como suas principais deficiências:
- Restrição da aplicação do estudo de impacto ambiental
- Incoerência nas orientações para preparação de termos de referência
- Fragilidades na apresentação das formas de participação pública
- Menção à avaliação ambiental estratégica sem elementos básicos para orientar a sua aplicação
- Falta de clareza e base empírica para consideração de critérios locacionais na participação de autoridades envolvidas
- Excesso de mecanismos de priorização de projetos para licenciamento ambiental
- Desconsideração da capacidade das autoridades licenciadoras para implementação da lei vigente.
Tanto os documentos supracitados como outros artigos científicos já publicados oferecem sólida fundamentação para a revisão e aprimoramento do PL tornando o licenciamento ambiental um instrumento mais efetivo para reduzir os impactos negativos por meio da aplicação da hierarquia de mitigação: evitar, minimizar, restaurar e compensar.
O licenciamento ambiental está diretamente relacionado com setores-chave da economia brasileira. Mas, acima disso, ele é um mecanismo criado e orientado para garantir que os impactos negativos de tais atividades possam ser corretamente dimensionados, reduzidos ou mitigados. Iniciativas para agilizar e simplificar o processo de licenciamento, ainda que partam de reivindicações legítimas, devem salvaguardar o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado que sustenta a vida humana com dignidade (Artigo 225 da Constituição Federal). É preciso destacar que atividades passíveis de licenciamento ambiental estão associadas a alterações persistentes que afetam substancialmente o direito das gerações futuras.
É fundamental a todo processo de avaliação de impactos ambientais que ele seja pautado estritamente pela correção, pela isenção, e que incorpore as técnicas e abordagens mais precisas e confiáveis à disposição. Portanto, é indispensável o fortalecimento da capacidade institucional das autoridades licenciadoras, que deve ser uma pré-condição nas reformas do processo de licenciamento. No entanto, o atual enfraquecimento dos órgãos de fiscalização e controle ambiental observados no país aponta exatamente na direção oposta. Não é possível a adoção de mecanismos modernos e eficientes sem que se assegure a existência de uma capacidade institucional minimamente operacional para realizar tais procedimentos.
Em outras palavras, a avaliação ambiental sem capacidade crítica e sem garantias de autonomia reduz-se a um rito burocrático. Este é o centro de nossa preocupação.
Em um momento em que as políticas ambientais no Brasil são alvo de grande atenção internacional com repercussões negativas para a economia brasileira e programas internacionais de cooperação, é urgente reconsiderar a proposta apresentada e permitir um debate mais profundo, amplo e produtivo de suas consequências para a sociedade brasileira.
Assim, esta Coalizão entende que a última versão da proposta da Lei Geral do Licenciamento Ambiental apresentada pelo deputado Kataguiri não atende a premissas críticas para uma processo de licenciamento responsável e precisará, obrigatoriamente, de ajustes substanciais antes de ser levada a votação no plenário da Câmara dos Deputados.