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O agronegócio brasileiro continua precisando do conhecimento científico

A reação de algumas entidades do agronegócio brasileiro, desprezando as contribuições científicas passadas e atuais para a eficiência e sustentabilidade da agropecuária brasileira, é contraproducente. Vale lembrar que o Brasil só é uma potência agropecuária hoje, em grande parte, devido aos avanços científicos e tecnológicos.

 

A produção agropecuária brasileira conta com muitos produtores eficientes, inovadores, usuários de tecnologias modernas e ambientalmente conscientes. O Brasil desenvolveu e implementa programas governamentais para aprimorar a produtividade e a sustentabilidade da produção agropecuária, como o Programa Agricultura de Baixo Carbono e o Programa RenovaBio, entre outros. O Brasil tem adotado técnicas inovadoras e conservacionistas como o plantio direto, a rotação de culturas e a integração lavoura-pecuária-floresta. Adaptamos espécies animais e vegetais para produzirem em diferentes ambientes brasileiros. Multiplicamos a produtividade das nossas principais culturas ao longo dos anos, com melhoramento e manejos adequados. Substituímos, em grande parte, nosso consumo de gasolina por bioetanol, reduzindo emissões de gases de efeito estufa, além da cogeração de eletricidade por meio de bagaço de cana-de-açúcar e outros resíduos das lavouras.

Isso tudo foi feito com Ciência robusta, ancorada em pesquisas sérias, éticas, transparentes, inovadoras e regularmente auditadas. Essas pesquisas, com metodologias replicáveis e abertas ao escrutínio e verificação de outros cientistas, quando publicadas em revistas científicas e revisadas por pares, formaram a base deste progresso. A Ciência brasileira avançou o conhecimento científico em benefício da agropecuária ao longo de décadas, em parceria com os produtores rurais e seus representantes na sociedade civil,  indústria de apoio à produção agropecuária e movimentos ambientalistas. Todos os brasileiros são beneficiados por essa boa ciência.

Em 17 de julho, a revista Science, uma das mais importantes, respeitadas e críveis revistas científicas do mundo, publicou um estudo liderado pelo Professor Raoni Rajão, da Universidade Federal de Minas Gerais. Como é prática nessa revista, o estudo passou por um rigoroso escrutínio de vários editores e revisores. Eles auditaram a metodologia usada, os resultados obtidos e avaliaram se as afirmações contidas no artigo estavam sustentadas na Ciência, na realidade de campo e nas análises feitas pelos pesquisadores. O estudo busca entender como a agropecuária brasileira se relaciona com a supressão ilegal de vegetação nativa florestal e não florestal, que é uma questão central para a defesa das boas práticas de produção agropecuária no país.

As conclusões do artigo convergem com as de muitos outros artigos científicos e de levantamentos regulares de dados oficiais feitos no Brasil. Não há como ocultar a gravidade da supressão ilegal de vegetação nativa, do descumprimento explícito da Lei de Proteção da Vegetação Nativa (que além das florestas protege todos os tipos de vegetação nativa), das invasões de terras públicas e protegidas, da apropriação de recursos naturais, dos incêndios criminosos, entre outros problemas associados ao mau uso da terra sob a ótica equivocada de expansão crescente e contínua das fronteiras de produção agropecuária. Tais problemas demandam soluções para as quais a Ciência pode, mais uma vez, ser uma importante aliada dos produtores rurais.

O estudo olha para as supressões comprovadamente ilegais e qualifica provavelmente menos propriedades ilegais do que uma análise mais direcionada apontaria. As críticas trazidas por consultorias do agronegócio argumentam que o estudo superestima a ilegalidade ao deixar de incluir nas análises algumas premissas, como as autorizações de supressão concedidas pelos estados. No entanto, é importante esclarecer que os números mostrados por este estudo na Science são conservadores. Por exemplo, dada a ausência de dados de autorizações de supressão de vegetação para todos os estados, o estudo considerou todas as supressões que respeitam as regras da reserva legal como “potencialmente legais”. O próprio estudo avalia, com base em Mato Grosso – estado onde tais informações públicas estão disponíveis – que somente 3% dos imóveis nesta situação de fato possuíam uma autorização que tornaria a supressão praticada efetivamente legal. Ou seja, muito da supressão que o estudo considerou como “potencialmente legal” tende, na verdade, a ser ilegal por não ter autorização, como mostra este exemplo do Mato Grosso. Além disso, os consultores dizem que tais propriedades qualificadas pelo estudo como “ilegais” poderiam estar compensando esses passivos em outras propriedades. Não poderiam, uma vez que, de acordo com a Lei de Proteção da Vegetação Nativa, a compensação não pode ser usada para viabilizar novas supressões em propriedades que já tenham passivos. Logo, as propriedades que o estudo classifica como “ilegais” são indiscutivelmente ilegais e muitas supressões que o estudo considera como “legais” são potencialmente ilegais. O argumento da superestimativa, portanto, está equivocado.

A crítica ética e honesta é essencial para o progresso do conhecimento científico ao ser fundamentada em novos conhecimentos, melhores dados e análises adicionais. O referido estudo usou dados públicos, metodologia aberta, transparente e replicável. Todos os resultados do artigo estão disponíveis e acessíveis para avaliação na própria revista Science e no site do Centro de Sensoriamento Remoto da UFMG. Dessa forma, é possível checar as premissas e auditar os dados e cálculos realizados. Se alguma inconsistência vier a ser identificada, ela poderá ser discutida cientificamente e publicada, inclusive na mesma revista do estudo original. Para isso, porém, terá que passar pela mesma análise de revisores e editores, que vão auditar também a crítica feita, da mesma maneira que fizeram com o artigo publicado. Assim, a boa Ciência é construída.

O agronegócio brasileiro, vale reiterar, só é o que é hoje, em boa parte, por causa da contribuição da Ciência e de pesquisas de ponta aplicadas ao desenvolvimento da produção agropecuária brasileira, como este estudo publicado na Science. Ao longo desse processo, vale destacar que a ciência não só mostra o caminho e destaca os acertos da agricultura produtiva e socioambientalmente sustentável no Brasil, mas também deve mostrar os aspectos que necessitam de melhorias, contribuindo para a busca de possíveis correções e soluções inovadoras.

As críticas feitas à boa Ciência por parte minoritária do agronegócio, sem argumentos robustos e embasamento, representam uma tentativa de usar o conhecimento científico somente quando for conveniente ou quando esses conhecimentos confirmam suas percepções e visões de mundo. No entanto, cabe esclarecer que a Ciência não funciona assim.

A Ciência tem por premissas ser transparente, apontar os acertos e erros e construir soluções. Não há dúvidas de que temos problemas complexos e decisões difíceis a tomar quando falamos da relação entre a supressão da vegetação nativa e a agropecuária. A pluralidade de visões e as ferramentas de diagnóstico e análise que a Ciência pode nos oferecer são essenciais na busca de soluções equilibradas. Os resultados do artigo em questão atendem aos interesses da sociedade brasileira e não estão associados de modo algum a interesses protecionistas de outros países, como levianamente chegou a ser aventado por alguns.

Não há trilha viável para o agronegócio brasileiro se não forem equacionados seus equívocos e inconsistências legais, ambientais e sociais. Uma grande parte do agronegócio está buscando se adequar de forma responsável às demandas da sociedade por sustentabilidade. Esta parte encontrará apoio no bom conhecimento científico. Mas, por premissa, a Ciência deve ser independente, fundamentada apenas na evidência científica dos fatos. Contar com as melhores informações e avaliações para fundamentar as políticas de combate à ilegalidade, à supressão de vegetação nativa, às queimadas e de estímulos aos bons produtores é o que garantirá nosso espaço na disputa por mercados internos e externos. E que fará o país entrar definitivamente nas práticas modernas da agricultura do Século XXI, onde se produz muito mais utilizando área muito menor.

Confrontar achados científicos com especulações e inverdades pode parecer uma resposta fácil, mas só nos mantém mais afastados das soluções reais e necessárias. Acolher e trabalhar com a Ciência é o que permitirá desenhar as novas fases da agropecuária brasileira em um contexto de mudanças climáticas e de mercados cada vez mais exigentes, tanto em termos ambientais, como sociais. No passado recente, já provamos nossa capacidade de empreender e inovar. Hoje, os desafios são outros. Precisamos das vozes e das forças conectados com a sustentabilidade e não daquelas associadas a práticas predatórias e ilegais.

  • Tiago N. P. dos Reis (pesquisador na Universidade Católica de Louvain, Bélgica).
  • Gerd Sparovek (Professor da Universidade de São Paulo).
  • Ricardo Ribeiro Rodrigues (Professor da Universidade de São Paulo).
  • Mercedes Bustamante (Professora da Universidade de Brasília).
  • Carlos Afonso Nobre (pesquisador Instituto de Estudos Avançados da USP)

Foto: ASCOM / SEAGRO-TO

Coalizão Ciência e Sociedade

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A Coalizão Ciência e Sociedade é formada por cientistas de instituições de ensino e pesquisa de todas as regiões brasileiras. Você pode conferir todos aqui

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