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Sem manejo adequado, os incêndios em áreas naturais vão se intensificar no Brasil

Os cientistas Vânia Regina Pivello (USP), Ima Vieira (Museu Paraense Emílio Goeldi), Gerhard Ernst Overbeck (UFRGS) e José Marengo (Cemaden), integrantes da Coalizão Ciência e Sociedade, são coautores deste artigo publicado originalmente na revista Perspectives in Ecology and Conservation sobre as causas e consequências dos incêndios em áreas naturais e as políticas necessárias para prevenir tragédias no futuro. 

 

  • Mudanças climáticas e de uso da terra aumentam o risco de incêndios florestais em todo o Brasil. Em 2020, esses incêndios atingiram 30% do Pantanal.
  • Sem manejo adequado o risco de eventos graves de incêndio aumentará no futuro,  intensificando a perda de biodiversidade, degradação ambiental e danos à saúde humana.
  • Entender o fogo em cada ambiente, com abordagens eficazes de manejo do fogo baseadas em evidências científicas é essencial para evitar desastres e obter benefícios.
  • Pesquisadores indicam cinco pontos essenciais para o gerenciamento eficaz dos incêndios: base de informação adequada, integração de políticas de manejo de fogo e das terras, agências governamentais equipadas e bem treinadas, definição de uma agenda de pesquisa nacional, educação e divulgação.

Entre 2019 e 2020 os incêndios no Brasil chamaram a atenção do mundo. Na Amazônia os incêndios simbolizam o imenso problema de desmatamento; o Pantanal sofreu, em 2020, a maior queimada registrada nos últimos 20 anos: quase 30% da área do bioma. Outros biomas tiveram momentos piores no passado, no entanto, esses anos são um indicativo dos desafios que o país enfrenta na área de conservação da natureza. Seja utilizadas de forma descontrolada para o desmatamento de grandes áreas ou contido e conduzidas para uma finalidade específica, as queimadas não naturais têm graves consequências, como a perda de biodiversidade, a degradação ambiental e danos à saúde humana. As decisões de manejo adequadas devem levar em conta os processos naturais e socioculturais  envolvidos – como as mudanças climáticas, ciclos de seca, tipo de vegetação, desmatamento para o avanço da fronteira agrícola, usos tradicionais na pecuária ou para extrativismo, por exemplo – e requerem uma base científica sólida.

Buscando estimular o desenvolvimento de abordagens eficazes de manejo do fogo nos biomas e ecossistemas do Brasil, onze pesquisadores se reuniram para a publicação de uma análise na revista Perspectives in Ecology and Conservation neste dia 20. O estudo foi conduzido no âmbito de um grupo de trabalho da Associação Brasileira de Ciência Ecológica e Conservação (ABECO) e teve apoio financeiro do Programa Biota/Fapesp e do CNPq por meio do Centro de Síntese em Biodiversidade (SinBiose) e do Edital PrevFogo/Ibama.

Vânia Pivello, pesquisadora do Instituto de Biociências da USP e uma das autoras, destaca que o fogo é um tema bastante polêmico: “algumas pessoas são bastante contrárias ao uso do fogo, o que é compreensível pois ele pode ser muito destrutivo e danoso. Porém é muito importante que possamos discutir onde o fogo ocorre e como ele ocorre, pois os efeitos são completamente diferentes em cada ambiente”. O Brasil possui biomas e ecossistemas com diferentes respostas ao fogo. Enquanto as florestas tropicais (como a Amazônia e a Mata Atlântica) são extremamente vulneráveis às queimadas,  os campos naturais e savanas (como os Campos Sulinos e o Cerrado) apresentam adaptações ao fogo e têm muitos de seus processos ecológicos dependentes dele. No entanto, mesmo os ecossistemas adaptados ao fogo respondem difeerentemente, dependendo do tipo, frequência, sazonalidade, intensidade e extensão do mesmo.

A preocupação com a continuidade dos incêndios na Amazônia é destacada no artigo pois parte das queimadas neste bioma é criminosa e consequência direta do desmatamento. Uma das autoras do estudo, Ima Vieira, pesquisadora do Museu Goeldi em Belém, diz que “o desmatamento está muito elevado na Amazônia desde março deste na e ninguém desmata sem tocar fogo depois para limpar a área para cultivo ou para especulação de terra. Então a situação já preocupa antes mesmo do início da temporada do fogo, que começa em agosto.” A pesquisadora considera muito problemático que num momento como esse, às vésperas de mais uma tragédia, convivamos com o desmonte das políticas ambientais e a banalização do impacto dos incêndios ao meio ambiente, economia e saúde.

De forma geral, regimes de fogo de alta frequência, intensidade e extensão podem ter efeitos negativos, não apenas sobre a biodiversidade, mas também sobre os benefícios desses ecossistemas para as populações humanas (como qualidade do ar e fornecimento de água, por exemplo). O risco de incêndios graves provavelmente aumentará no futuro, à medida que os efeitos das mudanças climáticas se tornam mais fortes e causam eventos climáticos mais extremos. Isso significa que é importante aumentar a resiliência geral de nossos sistemas socioecológicos ao fogo.

Desde 2014 o Brasil conta com uma Estratégia de Manejo Integrado do Fogo que procura controlar a quantidade de material de fácil combustão e diminuir o risco de incêndios florestais. Esta estratégia permite a integração de práticas tradicionais de gestão de incêndios das populações locais ao manejo das áreas protegidas, mas ainda não foi amplamente implementada em todo o país. Os pesquisadores apontam a necessidade de desenvolvimento de uma estratégia geral clara para lidar com o fogo em terras privadas,  permitindo seu uso controlado quando for benéfico e evitando-o quando os efeitos negativos forem dominantes.

O Parque Nacional das Sempre Vivas (na região de Diamantina, Minas Gerais) é um exemplo de aplicação de uma Estratégia de Manejo Integrado do Fogo envolvendo pesquisadores, gestores da unidade de conservação e população local. As sempre vivas são pequenas flores típicas da região e fonte de subsistência para os moradores locais. “O manejo dessas plantas pelas populações locais envolve o uso do fogo pois se acredita que o fogo possa estimulá-las a produzir mais flores. Porém é muito importante observar como utilizar esse fogo e a quantidade de flores que pode ser retirada para garantir a continuidade de todas as espécies”, analisa Vânia Pivello. Atualmente, num esforço conjunto entre pesquisadores e os gestores do Parque, busca-se um manejo adequado dessa vegetação para que tanto a biodiversidade seja conservada como a população local possa extrair das flores o seu sustento.

Os pesquisadores indicam cinco pontos essenciais para o gerenciamento eficaz dos incêndios em áreas naturais no Brasil: 1. uma base de informações calcada em pesquisas cientificas e com acesso a dados remotos em tempo real; 2. o desenvolvimento do manejo do fogo de forma integrada com outros campos de políticas –  especialmente aqueles relacionados à posse e manejo da terra – e de acordo com a agenda de mudanças climáticas, contando com fiscalização eficiente e combate aos incêndios ilegais, assim como incentivo à adoção de técnicas alternativas aos incêndios pelos usuários da terra; 3. a manutenção das agências governamentais devidamente equipadas e treinadas para a atuação, inclusive com o desenvolvimento de sistemas de monitoramento e programas de capacitação local; 4. a definição de uma agenda de pesquisa nacional integrando diferentes áreas do conhecimento para o desenvolvimento de paisagens que sejam mais resistentes ao fogo; e 5. educação e divulgação envolvendo todos os profissionais que lidam com a conservação de recursos naturais e manejo do fogo para fomentar um entendimento mais profundo sobre o papel do fogo nos diferentes ambientes.

 

Foto: WWF Brasil

Coalizão Ciência e Sociedade

Coalizão Ciência e Sociedade

A Coalizão Ciência e Sociedade é formada por cientistas de instituições de ensino e pesquisa de todas as regiões brasileiras. Você pode conferir todos aqui

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